Índice
Toggle1. INTRODUÇÃO
A aprendizagem assíncrona é um termo usado para descrever a “educação, instrução ou aprendizagem que não ocorre simultaneamente ou no mesmo lugar”. Ou seja, a aprendizagem assíncrona se utiliza de recursos que facilitam o compartilhamento de conhecimento fora dos limites do tempo e do espaço entre um grupo de pessoas.
Nesse sentido, as escolas e universidades desenvolveram calendários acadêmicos alternativos diante da pandemia que geralmente podem envolver uma mistura de atividades presenciais e virtuais, ou totalmente remotas, tornando-se – mais do que nunca – crucial para garantir que estudantes continuem aprendendo fora das configurações tradicionais. Exercícios que engajam os estudantes e requerem deles que coloquem o conhecimento haurido em sala de aula na prática, independente se no ensino presencial ou online, pode ajudá-los a maximizar oportunidades e praticar suas competências e habilidades. Fazendo é que se aprende.
As negociações assíncronas simuladas, que se caracterizam por estudantes negociando em seu tempo e por meio de tecnologias de informação e comunicação como o email, ensinam-lhes valiosas habilidades que excedem a forma típica das aulas presenciais. Negociar por email talvez requeira mais e diferentes habilidades comunicacionais do que uma negociação presencial. Por exemplo, enquanto negociar por emails implica que há um registro claro do que está sendo dito e oferecido, é também mais difícil de estabelecer um relacionamento com a outra parte, saber as reais intenções por trás da tela, delinear as intenções e equalizar o tom, podendo ser facilmente mal estruturados e entendidos, e colocar tudo a perder.
Além disso, nos processos negociais é possível trabalhar não só o poder de barganha, mas a empatia, a colaboração, a capacidade de resolver problemas, o relacionamento interpessoal, organização, escrita, a flexibilidade, estímulo à criatividade, a ética, a liderança e sobretudo o trabalho sob pressão. Tudo isso pode ser feito através das metodologias ativas que, geralmente, dependem mais da preparação e boa vontade do docente do que de qualquer investimento institucional.
O fato é que tomamos dezenas de decisões diariamente. Estamos constantemente lidando com diferentes públicos, desde a vida pessoal a profissional, tendo que cambiar coisas e superar situações, das mais triviais às cruciais. Infelizmente, não é o que acontece na maioria das instituições de ensino que estão presas aos limites regulatórios das DCNs[2] dos cursos, à escassez e consequente valorização de docentes interdisciplinares e a currículos “os mesmos dos mesmos” para inglês ver, que apenas estão num PPC[3] pro forma. Portanto, é importante frisar que a negociação não é particular do Direito, no qual tipicamente também é estudada a conciliação, a mediação e a arbitragem, adotadas como importantes pelo Código de Processo Civil de 2015, a fim de se chegar a um acordo antes do processo ser instruído, igualmente, como alternativa adequada a algumas questões jurídicas, respectivamente, cuja decisão é título executivo judicial.
Ora, a premência da softskill é porque é interdisciplinar e indispensável para todos os lados de nossas vidas, e, em verdade, todos os profissionais deveriam tê-la como uma habilidade necessária em sua formação, uma vez que é dela que pode vir boas decisões, bons empregos ou empreendimentos de sucesso, bons salários, bons negócios, um excelente network e relacionamentos qualificados.
Cotidianamente, para quem está no ambiente corporativo, em especial, trocamos vários e-mails, lidando com diferentes setores internos ou entidades e órgãos externos, claro, integrados por pessoas de diferentes matizes e personalidades, que suscitam-nos a imperiosa idiossincrasia.
Particularmente, já fechei negócios não muito vantajosos, assim como deixei de fechar negócios melhores por despreparo; vários amigos meus tiveram o mesmo problema ou pior. E isso se repete. As decisões que tomamos hoje repercutem, para o bem ou para o mal, durante toda a nossa vida. Sem saber lidar com as questões que nos são impostas estamos a mercê do outro e isso é nada bom. Qual habilidade, destarte, seria mais importante para a vida de uma pessoa do que a arte de negociar?
Por outro lado, algumas instituições, felizmente, como as do Grupo Ser Educacional S.A., trazem disciplinas propedêuticas de Empreendedorismo, Trabalhabilidade e Empregabilidade, conceitos holísticos que abordam competências e habilidades, como a negociação, imprescindíveis para o profissional de nossa contemporaneidade recém egresso da academia e que procura se inserir no mercado de trabalho.
Nessa esteira, o Teaching Negotiation Resource Center (TNRC) tem várias simulações de negociação desenhadas para serem conduzidas assincronamente, como a “Fie’s Agent, The Job Negotiation e Lattitude.com” (O agente de Fie, A negociação de trabalho e “lattitude.com”), que pode auxiliar as instituições e docentes na implantação da disciplina ou do assunto transversalmente, sobre as quais trazemos a seguir.
2. O AGENTE DE FIE – NEGOCIAÇÃO ASSÍNCRONA SIMULADA
Essa negociação integrativa[4], via e-mail, de duas horas de duração e entre duas pessoas, que são uma famosa jogadora de futebol e sua representante há muito, traz a discussão sobre os termos de um contrato com uma nova agência em potencial.
O ano é 2030. O futebol ainda é o esporte internacionalmente mais popular. O futebol feminino superou o masculino como o mais frequentado, assistido e comercializado no mundo.
Três anos antes, na Copa do Mundo Feminina de Futebol de 2027, uma então desconhecida ganense, doravante chamada Ana Ata Fie, surgiu como uma das mais goleadoras do mundo. Kofi Mwenchena, um agente ganense de esportes, representou Fie pelos últimos seis anos. Fie e Mwenchena assinaram um contrato há seis anos, um pouco antes de Fie ser designada para um time ganense. O contrato de Mwenchena com Fie, agora, findou e eles ainda não entraram num consenso sobre os termos de um novo contrato em potencial.
Regras sobre clubes internacionais dispõem que as negociações oficiais começam em menos de uma semana. Fie está no Brasil concluindo um trabalho de marketing para a Maccabi Wireless, enquanto Mwenchena está de volta em Gana, mas ele e Fie concordaram em tentar finalizar as negociações do contrato por e-mail. São lições ensinadas nessa simulação negocial:
- A simulação é um excelente meio para discutir a dinâmica de negociações por e-mail em contraste com as negociações presenciais, ou ainda por outras mídias;
- Lança-se luz sobre questões a respeito da relação subordinada entre as partes, a minuta do contrato, a negociação integrativa e distributiva[5].
- Há desafios em balancear preocupações com a substância da, o processo e a relação na negociação.
3. A NEGOCIAÇÃO DE TRABALHO – NEGOCIAÇÃO ASSÍNCRONA SIMULADA
Uma simulação de três horas e três partes envolvidas numa negociação de emprego, envolvendo um estudante, com a carreira já caminhada, negociando duas propostas de trabalho via e-mail ao mesmo tempo. Jordan Webb, atualmente mestrando, negocia por e-mail simultaneamente com duas empresas de tecnologia. Ambas as empresas ofereceram um novo cargo para Jordan como Diretor de Engajamento de Comunidade, para gerir parcerias público-privadas. Os interesses de Jordan são diversos, incluindo o trabalho em si, salário e benefícios, dia de início, período de férias, lugar, níveis de viagem e a flexibilidade de trabalhar de casa por questões familiares. Avery Adams representa a Computech, para a qual Jordan já trabalhou. Baylor Bell representa a Innoventrix, outro potencial empregador. Avery Adams não sabe que Jordan tem outra oferta de emprego. Baylor Bell sabe que Jordan tem uma oferta da Computech, mas não sabe que Jordan está negociando os termos da oferta. As maiores lições da simulação são, entre outras:
- A simulação sublinha as fontes de poder para candidatos a empregos em negociações de carreira, inclusive a preparação, estabelecendo grandes aspirações, tendo um forte BATNA (Best Alternative to a Negociated Agreement – em Português: MAPAN, Melhor Alternativa para um Acordo Negociado[6]), enfatizando habilidades únicas ou contribuições que o candidato ao trabalho pode trazer para a empresa, considerando a gama de interesses conectados com outros;
- Pode ainda ajudar os estudantes a considerarem estratégias mais efetivas para a negociação via e-mail, incluindo, quando possível, a marcação de uma reunião presencial (ou via Skype) antes das trocas de e-mail, estabelecendo-se normas pactuadas para a comunicação (e claro sempre informando as razões da demora das respostas), formatando as mensagens de maneira profissional e inteligível para o interlocutor e, por fim, a importância da revisão de qualquer coisa enviada ou recebida para afinar a comunicação.
4. LATTITUDE.COM – NEGOCIAÇÃO ASSÍNCRONA SIMULADA
A simulação é de uma hora e envolve duas partes em torno de uma única questão, por meio de uma negociação distributiva[7] via e-mail sobre a venda potencial de um domínio de site. O potencial vendedor é um professor do ensino médio que registrou erroneamente o domínio “lattitude.com” para um site sobre Geografia – ao contrário do nome correto e que ele queria, “latitude.com”). O vendedor queria conseguir o maior valor possível pela venda do domínio e, no fim das contas, estaria aberto a vende-lo por nada menos do que o valor do registro, que era US$200,00. O comprador, por outro lado, estava planejando comercializar acessórios da moda francesa pela internet com o nome “L’Attitude”, e estava disposto a pagar até US$10.000,00 pelo domínio “lattitude.com”. O comprador e o vendedor moravam em diferentes lugares do país e trabalhavam em diferentes áreas, então há pouca perspectiva de uma futura relação. Nessa simulação são abordados:
- O BATNA e a negociação distributiva;
- Estilos de comunicação em negociações via e-mail. O quão são diferentes as negociações via e-mail e a presencial?
- Como reduzir os riscos de externar erroneamente suas intenções comunicadas por email?
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É verdade que as DCNs sempre trazem acepções genéricas de profissionais egressos multidisciplinares, com competências e habilidades gregárias às especificidades de sua área de atuação. Os instrumentos de avaliação de cursos em processos regulatórios trazem indicadores de qualidade específicos para o perfil profissional do egresso, sua relação com os objetivos do curso, com a estrutura e com os conteúdos curriculares, que requerem a interdisciplinaridade.
Face à pandemia, todas as instituições e alunos foram instados a repensarem seus modelos de negócios e mesmo suas carreiras, adequar-se, antecipando-se o futuro, às demandas socioeconômicas da sociedade virtualizada, em que o contato pessoal, não recomendado, tem sido pouco a pouco substituído por uma mensagem nas redes sociais ou de comunicação, como o WhatsApp, reuniões via Skype infindáveis e documentos eletrônicos sem-fim: renegociações de mensalidades, demissões, suspensões de contratos de trabalho, reduções de jornadas de trabalho e salários, home office, empréstimos, credores, fornecedores, reorganização empresarial, ainda que momentânea, para continuar o ensino. Para que recorrer à justiça, por anos a fio numa disputa que pode chegar às raias de uma “4ª” instância, se podemos conversar e acordar sobre a solução para o nosso problema?
Dessa forma, devemos ensinar e buscar um egresso de nossas instituições que saiba comercializar suas intenções e harmonizá-las com a do outro.
Em suma, como vimos, seja como empregados, empregadores ou empresários, consumidores, fornecedores, agradar gregos e troianos é possível, desde que estejamos preparados, individualizemos o processo, discutamos os interesses e cheguemos a um consenso equilibrado em que as partes saiam satisfeitas.
- Esse artigo foi adaptado de SANPIETRO, Lara. Asynchronous Learning: Negotiation Exercises to Keep Students Learning Outside the Classroom. Program on Negotiation – Harvard Law School, 2020. Disponível em: < “>https://www.pon.harvard.edu/daily/teaching-negotiation-daily/asynchronous-learning-negotiation-exerc…. Acesso em: 12 agos. 2020. O PON disponibiliza artigos diários, bem como reports de diferentes situações negociais, entre outros materiais de alta qualidade. ↑
- Diretrizes Curriculares Nacionais. ↑
- Projeto Pedagógico de Curso. ↑
- “Na Negociação Integrativa, se negociam duas ou mais questões, em um ambiente competitivo ou colaborativo, no qual os negociadores procuram criar valor por meio do compartilhamento de seus interesses, para depois distribui-lo de forma a otimizar seus benefícios”. GUIRADO, Francisco. O que é uma Negociação Integrativa? Clube de Negociadores. Disponível em: < https://clubedenegociadores.com/negociacao-integrativa/>. Acesso em: 31 agos. 2020. ↑
- “Na negociação distributiva, o valor de um bem é dividido entre dois ou mais negociadores, de modo que se um ganha os outros necessariamente perdem. Também conhecida como ganha-perde (RAIFFA, 2002), nas negociações distributivas há apenas uma questão a ser negociada: um produto ou serviço deve ser trocado por um valor X. Como geralmente não há acordo sobre o montante desse valor, o clima predominante é de competição.” GUIRADO, Francisco. O que é uma Negociação Distributiva? Clube de Negociadores. Disponível em: < “>https://clubedenegociadores.com/negociacao-integrativa/>. Acesso em: 31 agos. 2020. ↑
- “O BATNA é a melhor saída para a parte quando um impasse se apresenta, é uma espécie de plano B. Planejar e observar o BATNA é algo que irá ajudá-lo a ter poder na hora da negociação.” Academia MOL – Mediação Online. O que é BATNA? Como planejar a melhor alternativa para um acordo. Disponível em: < https://www.mediacaonline.com/blog/o-queebatna-importancia-de-se-planejar-melhor-alternativa-um-ac… >. Acesso em: 31 agos. 2020. ↑
- Cf. nota 2. ↑